terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Leia o Livro, Veja o Filme: A Chegada

FILME: A Chegada

Doze naves surgem no céu em diversos pontos do globo terrestre. Ninguém sabe ao certo por que tais localizações foram escolhidas nem o que os alienígenas querem. Para tentar obter algumas respostas, os militares procuram a Dra. Louise Banks, renomada linguista, para liderar a equipe de Montana e fazer contato com os extraterrestres.


Sentiu uma vibe meio ‘Independence Day’? Então pode parar. ‘A Chegada’ não poderia ser mais contrário aos blockbusters cheios de explosões e efeitos especiais criados para exaltar a superioridade norte-americana. E a incrível Amy Adams é a chave de tudo nessa ficção científica que deixa de lado as Exatas para focar nas Humanas.


E foi exatamente esse foco diferenciado que me deu vontade de ir ao cinema assistir esse filme. Não tenho nada contra Exatas, só acho mais incompreensível do que os próprios alienígenas... hahaha. Mas é uma alegria ver as coisas por uma perspectiva diferente. Os filmes de extraterrestre se dividem sempre em duas categorias: ou os aliens vieram para dominar e destruir (ou pelo menos é isso que os terráqueos deduzem logo e partem para o contra-ataque) ou os seres de outro planeta são fofos e acabam sendo tratados como uma espécie de animal de estimação.


Os heptápodes, como são batizados os ETs devido aos seus 7 tentáculos, simplesmente não se encaixam em nenhuma das categorias anteriores. Eles chegam e ficam na deles. No entanto, é claro que ter esses seres interplanetários vagando por aqui causa apreensão. É aí que entra a Dra. Banks (Amy Adams) e também Ian Donnelly (Jeremy Renner), um matemático que trabalha com sua equipe paralelamente ao time de linguistas.


Enquanto acompanhamos os esforços das equipes para avançar na comunicação com os aliens, vamos conhecendo um pouco mais da vida pessoal da protagonista, que precisa lidar com a perda da jovem filha. Durante um bom tempo essas imagens da vida doméstica de Louise parecem ser apenas flashbacks que ajudam um pouco em seu trabalho com os ETs, mas conforme o filme entra em seu terço final percebemos sua real importância para a história.


Pessoalmente, me encantei com Louise e me identifiquei com as dificuldades que ela enfrenta em vários momentos. Para começar, ela é a única mulher (ou, pelo menos, a única de destaque da equipe) – ora a tratam como se ela fosse um bibelô frágil que precisa ser protegido, ora insinuam que ela não entende a real urgência da situação. E com relação ao trabalho dela, então? Numa das cenas iniciais, o chefão que vai procurá-la joga um gravador em cima da mesa dela, com um áudio zoado de alguns segundos, e pergunta o que os aliens estavam dizendo. Oi?! Tudo bem que ela manja muito de línguas, mas era a primeira vez que estava ouvindo aquela. E em vários momentos ele fica apressando a coitada, não entende nada de como uma língua funciona mas quer dar pitaco, só quer que ela pergunte logo qual a intenção dos alienígenas, sem nem saber direito como eles se comunicam. Não é mole lidar com certos clientes, né? Miga, #tamojunto!


E lá vai ela explicar o básico: que é preciso saber como o sistema de comunicação deles funciona, que não dá para sair perguntando coisa sem ao menos saber se eles entendem o conceito de pergunta, que é impossível traduzir uma palavra fora de contexto, que língua e cultura estão intimamente ligados e que não existe isso de ‘mais (ou menos) evoluído’. Aliás, é por causa da precipitação de um dos militares do alto comando diante da palavra 'arma' que uma guerra quase é deflagrada; ele não é capaz de entender que o termo pode ter outros significados além de artefato bélico; sai usando a História (humana) para justificar ataques; e acaba apenas por confirmar o óbvio: humanos se acham os seres supremos do universo, mas não conseguem nem ao menos se entender com outros de sua própria espécie.


Enfim... achei o filme espetacular. Por sua protagonista, pela importância conferida à linguagem e por sua influência na forma como vemos o mundo. Saí do cinema tão empolgada que fui atrás do livro, pois queria viver um pouco mais aquela história. E, mesmo com suas diferenças, achei o conto igualmente instigante. Falo dele logo abaixo.

Nota: 5/5

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CONTO: História da Sua Vida

Geralmente eu falo primeiro do texto e depois da adaptação, mas resolvi seguir a ordem em que tive contato com a história. Provavelmente, se o filme não tivesse sido tão bom, eu nunca teria prestado atenção na escrita de Ted Chiang, autor premiadíssimo de ficção científica. Estou lendo o livro, que tem o mesmo nome do conto em questão, e adorando. Pretendo resenhá-lo separadamente para poder me dedicar mais a cada narrativa. Mas vamos ao que interessa!

O conto tem pequenas diferenças em relação ao filme, como, por exemplo, o motivo da morte da filha de Louise e a idade da garota, o nome e o campo de atuação de seu companheiro de equipe (aqui ele se chama Gary e é físico), o número de naves espalhadas pelo mundo (mais de 100), o nome dos dois heptápodes de contato (aqui eles se chamam Melindrosa e Framboesa, enquanto no filme são batizados de Elvis e Costello). Além disso, o tom das conversas entre Louise e Gary é bem mais divertido.

Senti que, no livro, havia menos senso de urgência, ou talvez seja só impressão, pelo fato de as ações durarem mais enquanto lemos do que quando as vemos acontecer na tela. A física também ganha destaque no conto. Usando, como exemplo, o ‘Princípio de Fermat’ (no conto é bem mais fácil de entender no que nesse link da Wikipédia, acreditem) para explicar formulações variacionais que, embora possam ser usadas em diversos casos, são frequentemente preteridas pelos humanos pelas formulações causais. O que isso tem a ver com a comunicação dos alienígenas? Tudo.

A língua dos aliens é não-linear, não-sequencial e não existe a noção temporal de passado, presente e futuro: todos os momentos ocorrem simultaneamente, no presente. Logo, os heptápodes veem as coisas com um propósito minimizador ou maximizador, ao contrário dos seres humanos, que organizam seu pensamento de modo linear e sequencial, percebendo as coisas como causa e efeito. Isso é importante porque vai explicar as transformações no modo de pensar de Louise, que são fundamentais para entender o desfecho da história.

Os ETs usam escrita semasiográfica – símbolos gráficos que têm significado sem referência com seus sons, gerando independência entre língua escrita e falada, inclusive com sintaxe diferente, o que poderia indicar papéis culturais ou cognitivos diferentes. É interessante que, no livro, um espectrógrafo foi usado para revelar em imagens o que os aliens falavam. No filme, tiveram uma sacada genial que aproveita o formato de polvo dos alienígenas: eles lançavam uma espécie de fumaça negra no vidro que os separava dos pesquisadores, e essa fumaça formava os símbolos.

Para mim, o conteúdo de física incluído no conto ajudou muito a entender a língua dos alienígenas e coisas que tinham passado despercebidas durante a sessão de cinema. Entretanto, imagino que isso teria sido enfadonho de acompanhar em um filme. Mas, para os curiosos e interessados em idiomas como eu, recomendo muito a leitura. Esse é um caso em que livro e filme se complementam perfeitamente, e ambas as abordagens são instigantes, independente da ordem em que forem conferidas. Já estou até com vontade de rever o filme para prestar atenção em outros detalhes.

“Apontei para algo que podia ser uma cadeira de heptápode.
- O que é isso?
O heptápode parou, em seguida apontou para a 'cadeira’ e falou mais um pouco. O espectrógrafo disso era nitidamente diferente da representação dos sons anteriores: [estrépito3]. Mais uma vez, apontei para a ‘cadeira’ enquanto reproduzia o [estrépito3].
O heptápode respondeu; a julgar pelo espectrógrafo, parecia [estrépito3estrépito2]. 
Interpretação otimista: o alienígena estava confirmando minhas expressões como corretas, o que implicava em compatibilidade entre os padrões de discurso humano e heptápode.
Interpretação pessimista: ele estava com uma tosse persistente”. 

Nota: 5/5

Extra:
- A Revista Galileu publicou uma matéria bacana para quem quer entender melhor a teoria linguística por trás do filme.

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