domingo, 21 de agosto de 2016

Resenha: A Odisseia de Penélope

Todos já ouviram falar de “A Odisseia”, de Homero, certo? Nessa história, acompanhamos as peripécias e aventuras de Odisseu durante os 20 anos em que ele rodou o mundo enfrentando monstros terríveis e dormindo com deusas e humanas. Mas, e sua esposa, Penélope? O que viveu nesse período? Margaret Atwood, usando seu estilo bem-humorado e irônico, nos mostra o clássico de outro ponto de vista.

Penélope é vista na literatura como símbolo da fidelidade e obediência feminina e, realmente, foi fiel ao marido durante duas décadas, mesmo sem saber se ele ainda vivia, mesmo depois de ouvir relatos de seu envolvimento com outras mulheres, mesmo tendo sido largada sozinha para criar uma criança e governar um reino inteiro (o que, certamente, nunca havia sido treinada para fazer). Seu arrependimento? Ter se tornado exemplo para outras mulheres, condenando aquelas que agem de outro modo à desgraça (aquela história de ‘bela, recatada e do lar’).
De qualquer forma, nos momentos de adversidades é que habilidades ocultas se revelam. Assim, Penélope não só dá conta da tarefa, como o faz muito bem, aumentando, inclusive, as riquezas que seriam deixadas para o filho. Sua astúcia fica evidente quando revela o ardil de tecer e desfazer um manto, à la Sherazade, como forma de evitar os pretendentes que desejavam se casar com ela para abocanhar o reino, já que o marido estava desaparecido. No entanto, é claro que nada disso foi fácil e, apesar de ela ter se mostrado capaz, seu esforço só foi validado quando o marido voltou. 
Ela era uma mulher sozinha em um ambiente masculino e, ainda que jamais tenha dado motivos para mexericos, foi difamada mas não se deu ao trabalho de se defender, pois, como bem sabe a autora e expressa por meio de sua protagonista, negar a culpa só piora a situação. O que ela faz para tentar diminuir seu isolamento e se sentir mais protegida é escolher a dedo as escravas que a servem, criando, assim, um círculo de confiança e sororidade. As escravas, no entanto, pagaram um preço alto pela lealdade, tendo seus depoimentos distorcidos e desconsiderados em um tribunal atual, no qual juízes agem como se fossem deuses. Para eles, independente de ser senhora do castelo ou serva, todas são mulheres e, portanto, mercadorias que podem ser utilizadas de acordo com a vontade do proprietário.
Um aspecto importante da história é que Penélope narra os acontecimentos depois de morta, ou seja, ela não precisa mais se policiar nem fazer média com ninguém. Resultado: observações ácidas contra seus desafetos. E adoro quando ela usa um viés irônico para falar sobre antiguidade, como, por exemplo, quando compara com a internet o fato de os deuses aparecerem e desaparecerem rapidamente, ou quando brinca que as pessoas só vão a museus para comprar quinquilharias (e tirar fotos de TODAS as obras, eu poderia acrescentar). Sobra alfinetada até para a religião (não a fé) como instituição alienante.

Embora eu não tenha achado este livro tão incrível quanto "O Conto da Aia" e "O Assassino Cego", ainda assim foi uma boa leitura, que me fez rir em alguns momentos e refletir sobre a condição da mulher em outros. Recomendo.
Nota: 4/5
“(...) a inteligência é uma virtude que o homem aprecia na esposa desde que ela esteja longe dele. De perto, ela aceita a gentileza a qualquer hora do dia ou da noite, se não houver nada mais atraente à disposição.”

- E a Lulu também postou sobre o livro AQUI. :)

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem destacado, Michelle! Penélope acabou tornando-se uma figura feminina de fidelidade e obediência, e acredito que Margaret Atwood explorou muito bem esse arrependimento da protagonista. Ah, adoro essas observações ácidas da autora, hahahahaha. Beijão!

Michelle disse...

Acidez escorrendo pelas páginas... hahaha